domingo, 9 de agosto de 2009

Cidade e natureza – como conciliar a urbe e o campo






Goitia, cita Ortega Y Gasset: «a cidade é uma tentativa de secessão feita pelo homem para viver fora e frente ao cosmos do qual aproveita porções escolhidas e delimitadas».
Ortega y Gasset estabelece nesse conceito a diferença radical entre cidade e natureza, em que a cidade é uma criação abstracta e artificial do homem. Goitia afirma que “Para Ortega, a cidade por excelência é a cidade clássica e mediterrânica, onde o elemento fundamental é a praça. «A urbe – diz Ortega – é, antes de mais, o seguinte: praceta, agora, local para conversa, discussão, eloquência política. Em rigor, a urbe clássica não devia ter casas, mas apenas as fachadas necessárias para delimitar uma praça, cena artificial que o animal político retira ao espaço agrícola». (Goitia, Fernando C., “Breve História do Urbanismo”, 110). «A cidade clássica nasce de um instinto oposto ao doméstico. Edifica-se a casa para se estar nela; funda-se a cidade para se sair de casa e reunir-se com outros que também saíram de suas casas».
Ortega move-se dentro da órbita da cidade clássica, isto é, dentro da cidade política. A cidade onde se conversa e onde os contactos primários predominam sobre os secundários. A agora é a grande sala de reunião e sede da tertúlia da cidade, que, em sentido lado, é a tertúlia política. Não podem restar dúvidas sobre o facto de este tipo de cidade loquaz, conversadora, ter tido muito a ver com o desenvolvimento da vida citadina, e com o facto de, na medida em que diminui esta loquacidade, declinar o exercício da cidadania.
Por isso, as cidades da civilização anglo saxónica, cidades caladas ou reservadas, têm em vida doméstica o que lhes falta em vida civil. Esta distinção entre cidades domésticas e cidades públicas é mais profunda do que parece e não foi suficientemente desenvolvida pelos que se têm dedicado ao estudo da cidade. Uma é cidade de dentro de portas e outra é cidade de fora de portas. Ainda que pareça paradoxal à primeira vista, a cidade exteriorizada está muito mais em oposição [ao campo] que a cidade interiorizada. A questão é óbvia: para os vizinhos da primeira, o verdadeiro habitat é o exterior, a rua e a praça, que, embora não tenha tecto, tem paredes (fachadas) que a segregam do campo circundante.
Já a cidade íntima tem o seu habitat na casa, defendida por tectos e paredes. Não tem necessidade de segregar-se do campo, já que, este, fundo, é isolador e contribui poderosamente para a intimidade.
Por conseguinte, a cidade das fachadas é muito mais urbana, se entendermos assim uma cidade oposta ao campo, do que a cidade de interiores.
Para o homem latinizada e mediterrânico, o essencial e definitivo da cidade é a praça e o que significa, a tal ponto que, quando esta falta, não entende que se possa chamar cidade a uma tal aglomeração urbana.
Foi esse sentimento de Goitia quando se encontrou com a civilização e a vida americanas: «… Encontrava-me perante uma civilização sem cidades», o que podia parecer uma boutade; mas não o será sempre que identifiquemos o conceito de cidade com o de vida exteriorizada e civil.
Será difícil para os anglo-saxões aceitarem a ideia que lhes falta cidades no sentido da civitas latina ou da polis grega. Pode dizer-se, quando muito que possuem “towns”, palavra que provém do inglês antigo “tun” e do antigo teutónico “túnoz”, que significa recinto fechado, parte do campo que corresponde a uma casa ou a uma granja. Não se trata, portanto, de um conceito político [como a civitas latina ou a polis romana] mas de um conceito agrário.
Os Estados Unidos, [tendo como base o conceito latino da civitas ou grego da polis], não têm cidades como nós as entendemos, embora existam aglomerações humanas, concentrações industriais, regiões suburbanas, conurbações, etc.
A este respeito, é sintomática a formação dos povoados na Nova Inglaterra. No meio do campo, as casas isoladas começam a apinhar-se, nunca demasiado, e desde o início sem se tocarem nem perderem a sua autonomia; contudo, quando, quando chegam ao centro, deixam um grande espaço vazio, chamado common. Este common não é, nem pouco mais ou menos, uma praça, uma agora, mas sim uma parte do campo especialmente preservada. Como se as casas, ao unirem-se, sentissem a nostalgia do campo deixado para trás e voltassem a recuperá-lo na parte de maior importância valorizando-o, exaltando-o. Em vez de uma secessão do cosmos, trata-se de uma valorização da paisagem, enquadrando-a convenientemente. Na pradaria do common pastam os rebanhos e ruminam os bovinos por baixo de olmos gigantescos e muito belos. A cidade doméstica e calada é uma cidade eminentemente urbana.
A polaridade dos dois conceitos exerce-se entre a cidade doméstica e a cidade civil.
(CF. Fernando C.Goitia)

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